quinta-feira, 31 de março de 2011

'QUEM É CAIO?'

Pouco mais de uma semana após ter deixado o Botafogo, Joel Santana já sente saudade da rotina. Sofre com as notícias dos jornais, especialmente com uma delas, bem fresquinha: a declaração de Caio de que agora o Botafogo vai jogar como time grande estava entalada na sua garganta durante o almoço de ontem. O ex-filho apunhalou o coração de Papai Joel, que deixa escapar também uma ponta de tristeza quando o assunto é o polêmico questionamento tático feito certa vez por Loco Abreu diante dos microfones.
Em entrevista por telefone ao MARCA BRASIL, Joel Santana admite que já sentia o cheiro de seu nono título estadual pelo Rio — ele considera também o de 87, quando saiu do Vasco antes do fim do Campeonato. Do futuro, Joel não tem muito a falar. Quer ficar no Brasil e até recusou recentemente um convite da Arábia Saudita.

MARCA BRASIL: O telefone tem tocado muito nesses oito dias de desemprego?

JOEL: É esse celular que me emprega e me desemprega. Dizem que a gente é ultrapassado, dizem isso e aquilo... Mas já reparou que agora todo mundo usa prancheta? Só que vocês da imprensa deram uma página inteira para o Caio falar besteira!!!

MB: Ficou aborrecido com o Caio, que disse que agora o Botafogo vai jogar como time grande?

J: Quem é o Caio? Ele é um garoto que não sabe o que fala. Tem que levar uns cascudos para aprender. Por que você não liga pra ele e diz que deveria me procurar e me dar um beijo? Trabalhei com Romário, Renato Gaúcho, Edmundo, Roberto Dinamite, Sávio... E eu vou lá me incomodar com o Caio? Quando o Caio mostrou o dedo pra torcida, chamei ele e disse: “Não faça mais isso. Peça desculpa. Não se deve mostrar o dedo nem pra um cachorro, rapaz”.

MB: Está magoado?

J: Não é isso. Mas pega a escalação do Botafogo... Você vai ver que é a mesma do meu último jogo. Tive 40 e tantas vitórias (41) e só 12 derrotas. Sabe o que são 12 derrotas? Assumi depois de o time ter tomado de 6 a 0 na lata (para o Vasco). E fui campeão.

MB: Você saiu por pressão da torcida? Qual a razão? 

J: Torcida? Foram dois ou três caras. O torcedor é aquele que você encontra na rua. O cara vem e te abraça. Esse é o torcedor. Tenho amizade enorme com o presidente, o supervisor, o vice de futebol. Você tem que ser sábio. Tem que saber quando as coisas não estão indo bem. Olha, eu estou adiando, mas vou escrever um livro. Há coisas de bastidores que precisam ser contadas. Saí deixando o time em primeiro lugar. E o Carioca está mole de ganhar.

MB: Você acha que seria o campeão estadual?

J: Eu já estava sentindo o cheiro do título! Estava só me preparando... Dos quatro grandes, o Botafogo era o mais organizado. Criou-se uma situação na Gávea e o Flamengo ficou destemperado. O Fluminense está entretido com a Libertadores. Bem, pode até ser que dê Vasco... Mas o Botafogo, pelo cantinho, ia comer de novo.

MB: Havia um desgaste com os jogadores?

J: Não. Fiz um ambiente bom. Quando todo mundo malhava o Lucio Flavio e o Leandro Guerreiro, eu bancava o time. Sempre banquei meus jogadores. Só que às vezes, quando as coisas não estão acontecendo, a gente tem que sair fora.

MB: E o Loco Abreu?

J: Você acha que um jogador brasileiro que atua no exterior vai falar alguma coisa do esquema do seu técnico lá fora? O brasileiro dá muita liberdade pra esses estrangeiros. Ele não tem que falar nada. Tem mais é que agradecer porque está no nosso país, morando no melhor lugar do Rio e jogando no Botafogo. Ele não veio aqui pra falar de futebol. Veio pra jogar. Mas jogador de futebol é que nem filho: você dá liberdade e, amanhã, ele quer bater no teu rosto. Tô cagando e andando para o que o Loco fala. Contanto que treine e jogue... Eu ia falar o quê? Nada.

MB: O que acha de o Jobson querer voltar para o Botafogo?

J: Ai, esse garoto... Ele tem um potencial impressionante, mas a cabeça é um problema. E eu não sou psicólogo. Não sou médico. Conversei com o Jobson várias vezes e disse que, se ele precisasse, poderia morar comigo. Quando senti que não adiantava, caí fora. Ele era um filho...

MB: Pensou mesmo em abrir a sua casa?

J: Pensei. Mas ia ser um problema: ele ia querer ouvir rock pesado e, eu, Lulu Santos. Ele ia querer ouvir pagode, e, eu, Milton Nascimento.

MB: Você parece decepcionado com o Botafogo...

J: Não. Estou tranquilo. Saí direitinho, bonitinho. E eu estava perto de me tornar o imortal do Rio, com nove títulos. Estava mole levar o Carioca, mas preferi botar o pé no freio e esperar. Queria ficar um tempo sem falar com a imprensa, assim como o Muricy faz. O que junta de gente pra bater...

MB: Mas a imprensa não está contra você. Está?

J: Não, né? Olha, todo mundo gosta de carinho. Até cachorro, gato, passarinho, o Louro José... E eu estou muito emotivo ultimamente. Até porque vivi nessa cidade de Sendai. Esse terremoto mexeu também comigo. E sinto saudade da minha sala no Botafogo. Da minha sala com flores, minha plantinha... Moro em Copacabana e em 15 minutos estava no trabalho. Chegava feliz e ganhava um abraço do porteiro. Mas, depois que você sai, vira covarde, alemão... Sinto saudade até da minha televisão.

MB: O que você tem feito?

J: Tenho ficado em casa, me sentindo totalmente indiferente. Agora, estou num restaurante lendo jornal, sentindo falta do trabalho e tentando comer alguma coisa. Mas isso não vai demorar muito, não. Sinto um perfume no ar...

MB: De onde vem esse cheiro? Da Gávea? Pensa em sair do País?

J: Eu amo a Patrícia. Adoro. Mas deixa o meu amigo Vanderlei lá... Recebi uma proposta da Arábia Saudita. Seriam três anos lá. Eu não aguento. Eu morro. Não tenho mais coração pra isso. E, hoje, as propostas do Brasil são melhores do que as do exterior. Não sei se alguém mais veio atrás de mim porque fiquei uns dias sem atender o telefone. Estava resfriado e com febre.

MB: Vai viajar pelo menos pra descansar?

J: Viajar sozinho é chato. Ficar ouvindo passarinho cantar e a água bater na montanha... Ah, não dá, né? E, se for pra longe, tem tsunami...

Entrevista publicada no Marca Brasil de 31 de março de 2011

1 Comentários:

Às 31 de março de 2011 às 08:38 , Blogger Fábio Lau disse...

Em resumo: Joel, que já é Rei do Rio, mesmo sem este título, precisa fazer uma reflexão. Uma autocrítica. Ele não é infalível. E maltratou o Caio mais do que a torcida - o que não é pouca coisa. Deixou o nosso melhor jogador da base amargar bancos indefinidamente. E estabeleceu um padrão fechado, retrancado, excessivamente cauteloso, que usaria contra Olaria ou Barcelona. E Loco falou sobre isso: todo mundo já sabe como o Botafogo joga. E era verdade. Ontem pela primeira vez vi o Botafogo surpreender. Não me refiro ao gol de cabeça, mas pelas jogadas pelas pontas e chutes de fora da área.

 

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